Nos últimos tempos aqui no Brasil,
vivemos uma discussão que envolve política e sociedade. A redução
da maioridade penal, é um tema, quase um tabu, mas que ao contrário
do que se diga por muitos em redes sociais ou em blogs e sites de
conotação política, é um clamor popular mais do que estabelecido.
E não é uma discussão recente. A
Proposta de Emenda a Constituição (PEC) 171, que trata exatamente
deste tema, foi elaborada em 1993. Mas somente em 30 de março de
2015, sua tramitação foi admitida pela Comissão de Constituição
e Justiça e Cidadania, por 42 votos a favor e 17 votos contra.
Realmente é um tema polêmico, pois
tanto quem é a favor quanto quem é contra, tem motivos bem
coerentes para defender suas opiniões. Mas não podemos negar que
hoje, as pesquisas indicam que a população brasileira é em grande
maioria a favor dessa mudança (mais de 90%). Vamos fazer uma análise
dos pontos mais polêmicos e entender melhor a questão.
CONSTITUIÇÃO
Segundo os argumentos de boa parte dos
que são contrários a PEC 171, a redução da maioridade penal fere
uma das cláusulas pétreas (aquelas que não podem ser modificadas
por congressistas) da Constituição de 1988. O artigo 228 é claro:
"São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos".
A Constituição Federal determina como
as "cláusulas pétreas" aquelas que não podem ser
modificadas por emendas surgidas pelo Congresso Nacional. A
Constituição não descreve explicitamente quais artigos seriam os
pétreos. Mas o artigo 60, em seu § 4º, determina que não poderá
ser alterado propostas de emendas relacionadas a abolir:
(I) a forma federativa de estado,
(II) o voto direto, secreto, universal
e periódico,
(III) a separação dos Poderes e
(IV) os direitos e garantias
individuais.
Existem então interpretações que
consideram que nenhum artigo relacionado a estes quatro temas podem
ser alterados pelo Congresso. Já outros estudiosos afirmam que a
Constituição não pode ser engessada, cabendo aos parlamentares a
manutenção de um núcleo essencial dos princípios constitucionais.
Para melhor entendermos esses dois lados da moeda, verificamos as
opiniões de dois especialistas no assunto:
André Ramos Tavares: Pró-Reitor de
Pós-Graduação stricto sensu da PUC-SP (2008-2012) e Diretor da
Escola Judiciária Eleitoral Nacional, do TSE (2010-2012) e autor de
diversas obras jurídicas;
Fabrício Juliano Mendes: Advogado
formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Sergipe
– UFSE; Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro
Universitário de Brasília – UniCEUB (DF); Especialista em Direito
Constitucional Processual pela Universidade Federal de Sergipe;
Professor de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no UniCEUB
(DF); Professor em cursos de Especialização do Uniceub (DF);
Professor do Curso de Especialização em Direito Eleitoral no IDP -
Instituto Brasiliense de Direito Público (DF);
Foi Assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. É sócio do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC e membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal. Foi Assessor Jurídico na Câmara dos Deputados, em Brasília – DF. É autor do livro O ativismo judicial e o direito à saúde (Ed. Fórum – 2011) e de inúmeros artigos jurídicos em revistas especializadas
Foi Assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. É sócio do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC e membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal. Foi Assessor Jurídico na Câmara dos Deputados, em Brasília – DF. É autor do livro O ativismo judicial e o direito à saúde (Ed. Fórum – 2011) e de inúmeros artigos jurídicos em revistas especializadas
Para o professor André Ramos Tavares,
a jurisprudência e a doutrina jurídica consideram que a própria
Constituição não permite que nenhuma proposta para sua modificação
possa reduzir ou suprimir os direitos fundamentais. Essas proposições
não podem sequer serem objeto de análise pelo parlamento. Ele
afirma que os direitos fundamentais não se esgotam no artigo 5º da
Constituição. O jurista considera que a Constituição, ao
assegurar à criança e ao adolescente a absoluta prioridade, garante
que a maioridade penal aos 18 anos não possa ser modificada, já que
representaria a diminuição dos direitos estabelecidos.
Já para o jurista Fabrício Juliano
Mendes, apesar de reconhecer que os direitos individuais estão
dispostos em diversos artigos, não se deve interpretar a
Constituição de forma absoluta, tendo de reconhecer o real alcance
das cláusulas pétreas. Para o professor, não se deve asfixiar o
papel dos parlamentares em promover mudanças que atendam as demandas
da sociedade, protegendo a essência dos princípios aprovados pelos
constituintes. Essa capacidade de atualizar a Constituição, segundo
ele, contribui para evitar movimentos de ruptura com a ordem
constitucional. "A mudança prevista de 18 para 16 anos ainda
tem um grau de razoabilidade que não interfere o núcleo central das
garantias fundamentais", diz Fabrício.
Bom, parece que essa é a discussão mais crítica, pois envolve temas relacionados a constitucionalidade das alterações propostas, independente do clamor popular. Importante se garantir a melhor forma de adequar aquilo que se faz necessário para buscar um devido ajuste a sociedade, porém sem ferir os princípios estabelecidos na constituição, que é e regra principal do país, garantindo assim a boa ordem, evitando tornar o estado brasileiro mais desleixado do que já está.
Bom, parece que essa é a discussão mais crítica, pois envolve temas relacionados a constitucionalidade das alterações propostas, independente do clamor popular. Importante se garantir a melhor forma de adequar aquilo que se faz necessário para buscar um devido ajuste a sociedade, porém sem ferir os princípios estabelecidos na constituição, que é e regra principal do país, garantindo assim a boa ordem, evitando tornar o estado brasileiro mais desleixado do que já está.
REINSERÇÃO DOS JOVENS NA SOCIEDADE
Os contrários a PEC 171, afirmam que a
inclusão de jovens a partir de 16 anos no sistema prisional
brasileiro, não contribuiria para a sua reinserção na sociedade,
muito em função do sucateamento desse mesmo sistema. Segundo
relatório da ONG ANISTIA INTERNACIONAL, referindo-se a nosso sistema
prisional, “locais onde há superlotação, condições
degradantes, e onde casos de tortura e violência continuam sendo
endêmicos”, não têm a menor condição de garantir a ninguém um
processo de recuperação de cidadania. E citam como exemplo as
trágicas ocorrências no complexo prisional de Pedrinhas, no
Maranhão.
Por outro lado, a impunidade gera mais
violência. Os jovens "de hoje" têm consciência de que
não podem ser presos e punidos como adultos. Por isso continuam a
cometer crimes. Entendemos que realmente deva ocorrer um ajuste
imediato e severo nas condições de nosso sistema prisional, caso o
objetivo seja realmente a recuperação e retorno ao convívio
social. Mas enquanto isso não ocorre, medidas imediatas necessitam
ser tomadas para minimizarmos a situação atual. Quantas vezes já
não ouvimos as declarações de adolescente detidos “sou de
menor”? Esse argumento representa a certeza de que dificilmente
ficarão presos respondendo por seus crimes. E além disso,
representa também a certeza de que sabem sim o que estão fazendo e
o levíssimo peso que a lei coloca sobre eles.
CASOS ISOLADOS
Ainda contra a PEC 171, seus críticos
afirmam que a pressão para a redução da maioridade penal está
baseada em casos isolados, e não em dados estatísticos. Segundo a
Secretaria Nacional de Segurança Pública, jovens entre 16 e 18 anos
são responsáveis por menos de 0,9% dos crimes praticados no país.
Se forem considerados os homicídios e tentativas de homicídios,
esse número cai para 0,5%. Levantamento feito pelo Ministério da
Justiça em 2011 mostra ainda que crimes patrimoniais como furto e
roubo (43,7% do total) e envolvimento com o tráfico de drogas
(26,6%) constituem a maioria dos delitos praticados pelos menores que
se encontram em instituições assistenciais do Estado cumprindo
medida socioeducativa. Cerca de um décimo deles se envolveu em
crimes contra a vida: 8,4% em homicídios e 1,9% em latrocínios (que
ocorrem quando, além de roubar, o criminoso mata alguém).
Já os defensores da PEC 171, garantem
que a redução da maioridade penal protegeria os jovens do
aliciamento feito pelo crime organizado, que tem recrutado menores de
18 anos para atividades, sobretudo, relacionadas ao tráfico de
drogas.
Pessoal, é preciso que se avalie,
dentre outras coisas, a experiência internacional nesse campo e a
necessidade de dar uma resposta ao crescente envolvimento de menores
com o crime.
Vejamos os casos de países como Estados Unidos e Inglaterra, que
não fazem distinção de idade para processar e julgar autores de
crimes. Outras nações – como a França – fixam a maioridade aos
18 anos, mas permitem que a Justiça, em circunstâncias específicas,
abra exceções, condenando à prisão menores de 18 que demonstrem
ter plena consciência de seus atos. Foi mais ou menos isso o que
propôs o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), em emenda à Constituição
que foi rejeitada em oportunidade passada por uma comissão do Senado
(veja o artigo completo no link
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/ccj-rejeita-reducao-da-maioridade-penal-para-16-anos/).Quem prega a redução da maioridade também enfatiza a necessidade de fechar uma brecha legal que hoje é usada por quadrilhas que encontram atualmente, sobretudo nas grandes cidades brasileiras, o melhor dos mundos para operarem. De um lado, têm contra si um Estado reconhecidamente incompetente para lidar com a questão da violência, em todas as esferas (da socioeducacional à judicial, da policial à penitenciária). Do outro, viram na legislação a possibilidade de confiar a menores a prática de crimes pelos quais são inimputáveis.
Diante do exposto, me vejo obrigado a
contestar os números da Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Quantas e quantas reportagens nós já vimos, ao longo de décadas,
mostrando os famosos “trombadinhas”, agindo em áreas públicas,
grandes praças, de alta concentração de transeuntes, do Rio de
Janeiro, São Paulo e Porto Alegre? Coloco essas cidades, pois foram
as mais recorrentes nesse tipo de reportagem. Logo, vendo esse tipo
de situação, percebemos que a maior presença entre os praticantes
dos delitos são menores de idade. Isso não conta para os índices?
Não é preciso que se faça alguma coisa a respeito? Pessoal, crime
não é só homicídio, latrocínio, tráfico de drogas. Crime também
é assalto, furto, roubo, agressão. E isso precisa ser penalizado.
Se necessário for aplicar as devidas punições a menores
infratores, que se faça. Pergunte a um aposentado que teve sua
pequena quantia subtraída por um “trombadinha”, como foi seu mês
sem o dinheiro. Será que o estado brasileiro restituiu a quantia
furtada? Muito importante fazermos essa análise.
EDUCAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS
Contra a PEC 171, afirma-se que em vez
de reduzir a maioridade penal, o governo deveria investir em educação
e em políticas públicas para proteger os jovens e diminuir a
vulnerabilidade deles ao crime. No Brasil, segundo dados do IBGE, 486
mil crianças entre cinco e 13 anos eram vítimas do trabalho
infantil em todo o Brasil em 2013. No quesito educação, o Brasil
ainda tem 13 milhões de analfabetos com 15 anos de idade ou mais.
Já a favor da PEC 171, diz-se que o
Brasil precisa alinhar a sua legislação à de países desenvolvidos
com os Estados Unidos, onde, na maioria dos Estados, adolescentes
acima de 12 anos de idade podem ser submetidos a processos judiciais
da mesma forma que adultos (conforme vimos acima).
Essa é uma discussão bem polêmica,
mas tenho uma opinião interessante a respeito. Por que todos os
analfabetos não vão as ruas cometer crimes? Já pensou se esse
argumento fosse realmente fundamentado em evidências reais? Vejam o
tamanho da parcela da população brasileira que seria criminosa.
Amigos, analfabetismo pode até favorecer a entrada no mundo do
crime, mas quando for algo já embutido na índole do indivíduo ou
por conta de uma estrutura familiar abalada. Não podemos tomar esses
índices como referência absoluta para esse tipo de discussão. Tem
muitos outros elementos agregados a esse tema, muito mais do que
podemos imaginar. Óbvio que o Brasil precisa, e está bem atrasado
ainda, focar em uma de suas carências mais críticas, que é a
educação. É claro que ajudaria a diminuir os índices de
criminalidade, mas não ao ponto de resolvê-los em nível altamente
significativo, já que uma boa parcela de crimes que vemos por aí,
tem a participação de jovens e adolescente de classe média,
inclusive muito bem escolados.
NEGROS, POBRES E PERIFERIA
Em contrário a PEC 171, muitos afirmam
que a redução da maioridade penal afetaria, preferencialmente,
jovens negros, pobres e moradores de áreas periféricas do Brasil,
na medida em que este é o perfil de boa parte da população
carcerária brasileira. Estudo da UFSCAR (Universidade Federal de São
Carlos) aponta que 72% da população carcerária brasileira é
composta por negros.
Já pelo lado da defesa da PEC 171,
temos a maioria da população brasileira a favor da redução da
maioridade penal (vejam artigo espcífico no link
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/11/mais-de-90-dos-brasileiros-querem-reducao-da-maioridade-penal-diz-pesquisa-cntmda.htm).
Em 2013, pesquisa realizada pelo instituto CNT/MDA indicou que 92,7%
dos brasileiros são a favor da medida. No mesmo ano, pesquisa do
instituto Data Folha indicou que 93% dos paulistanos são a favor da
redução.
Pessoal, vejam que situação no mínimo
curiosa. Se a maioria da população brasileira é composta por
negros, que em tese seriam os mais prejudicados pela PEC 171, como ao
mesmo tempo, 93% da população brasileira pode ser a favor então da
redução da maioridade penal? Essa maioria de negros não estaria
também em uma boa parte a favor da mudança? E mais, se 72% da
população carcerária brasileira também é composta por negros,
será que dentro dos números dos que estão a favor da PEC 171, não
estão boa parte das famílias desses 72%? Mas confesso que realmente
essa discussão, depois do tocante a Constituição, é um dos pontos
mais críticos desse processo de mudança. Há sim ainda um execrável
preconceito racial vigente no Brasil, que deve também ser punido
exemplarmente. Mas temos que ficar atentos a um detalhe deveras
importante. Nem sempre os negros ficam de fora de cargos importantes,
muito menos são desqualificados. Vejam o caso de Joaquim Barbosa.
Presidente do STF! E que bela contribuição ele nos deu,
principalmente na condução do “mensalão”. Mas a verdade é que
ainda sim, é uma rara condição. Mas também não podemos ficar por
aí afirmando que todo negro, pobre e morador de periferia, vai
enveredar pelos caminhos do crime. Tenho muitos amigos negros
oriundos, assim como eu, do subúrbio, com poucos recursos, mas que
venceram na vida, ficaram melhores posicionado socialmente do que eu
e, mesmo aqueles que não tiveram maiores oportunidades, permanecem
hoje ainda com sua dignidade sólida e inabalada. E mais, não vamos
nos iludir que somente essa parcela da sociedade sofre nas mãos das
autoridades. Eu mesmo, quantas vezes não fui parado em blitz no Rio
de Janeiro? Foram várias abordagens. Da mesma forma que temos muitos
delinquentes presos usando camisas do Flamengo e Corinthians, por
serem as duas maiores torcidas do Brasil, obviamente que teremos um
grande número de casos envolvendo afrodescendentes, exatamente por
conta de serem a maioria significativa de nossa população. Mas
ainda assim, o preconceito racial e social no Brasil, merece clara
atenção das autoridades e da classe política.
Bom meus amigos, diante de tudo isso
que colocamos, podemos concluir que esse é um tema realmente
polêmico, por conta do envolvimento de todos esses fatores.
Existem elementos constitucionais que
necessitam ser detalhadamente discutidos, de modo a se encontrar a
melhor ferramenta para tratarmos o tema de inclusão dessa medida na
constituição.
Por outro lado, temos que atacar com
muita seriedade e vontade, as políticas públicas para resolver
nossos problemas internos que tanto contribuem para travar nossos
processos de desenvolvimento. Entendemos que existem ações a médio
e longo prazo para que tenhamos uma sociedade mais estruturada, e que
as mesmas devem ser iniciadas o mais rápido possível, de modo que
consigamos evitar pelo menos uma boa parte dos crimes, e não
simplesmente puni-los, pois realmente se essa crescente criminalidade
permanecer, não teremos presídios suficientes, ou teremos mais
presos do que libertos. Infelizmente vemos hoje o governo em posição contrária a PEC 171, muito mais por sua política populista e por conta de assumir que não tem competência de garantir estrutura prisional adequada, pelo menos nessa condição imediata. Fora o fato de serem também claramente incompetentes para elaborarem uma estratégia de adequação a longo prazo das políticas públicas. Mas acima de qualquer interesse político, é inegável que em paralelo,
necessitamos sim de uma medida urgente, uma ação imediata, de
contenção mesmo, para pelo menos inibir a afronta que vemos no dia
a dia, de criminosos que sabem sim muito bem o que fazem. E para
isso, a família tem muito o que ajudar também. A família quando
sólida e sábia, e não digo sabedoria de conhecimento, mas
sabedoria de dignidade e honestidade, pode contribuir grandemente na
minimização de atos criminosos, mesmo quando há a condição de má
índole em um de seus membros de pouca idade. A família deve
orientar e participar ativamente de sua vida, dando carinho, atenção
e correção na medida certa, mostrando liderança e promovendo no
jovem, o autoconvencimento de que determinado caminho não possui
nenhum valor agregado. A verdade, é que precisamos ser mais espertos
que os grandes líderes do crime no Brasil, que usam toda essa nossa
inoperância, seja legal ou moral, a seu favor e recrutam cada vez
mais nossos hoje menores de idades. E mais uma vez, a verdade
prevalece.
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