terça-feira, 21 de abril de 2015

POLÊMICA: REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Nos últimos tempos aqui no Brasil, vivemos uma discussão que envolve política e sociedade. A redução da maioridade penal, é um tema, quase um tabu, mas que ao contrário do que se diga por muitos em redes sociais ou em blogs e sites de conotação política, é um clamor popular mais do que estabelecido.
E não é uma discussão recente. A Proposta de Emenda a Constituição (PEC) 171, que trata exatamente deste tema, foi elaborada em 1993. Mas somente em 30 de março de 2015, sua tramitação foi admitida pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, por 42 votos a favor e 17 votos contra.
Realmente é um tema polêmico, pois tanto quem é a favor quanto quem é contra, tem motivos bem coerentes para defender suas opiniões. Mas não podemos negar que hoje, as pesquisas indicam que a população brasileira é em grande maioria a favor dessa mudança (mais de 90%). Vamos fazer uma análise dos pontos mais polêmicos e entender melhor a questão.

CONSTITUIÇÃO
Segundo os argumentos de boa parte dos que são contrários a PEC 171, a redução da maioridade penal fere uma das cláusulas pétreas (aquelas que não podem ser modificadas por congressistas) da Constituição de 1988. O artigo 228 é claro: "São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos".
A Constituição Federal determina como as "cláusulas pétreas" aquelas que não podem ser modificadas por emendas surgidas pelo Congresso Nacional. A Constituição não descreve explicitamente quais artigos seriam os pétreos. Mas o artigo 60, em seu § 4º, determina que não poderá ser alterado propostas de emendas relacionadas a abolir:
(I) a forma federativa de estado,
(II) o voto direto, secreto, universal e periódico,
(III) a separação dos Poderes e
(IV) os direitos e garantias individuais.
Existem então interpretações que consideram que nenhum artigo relacionado a estes quatro temas podem ser alterados pelo Congresso. Já outros estudiosos afirmam que a Constituição não pode ser engessada, cabendo aos parlamentares a manutenção de um núcleo essencial dos princípios constitucionais. Para melhor entendermos esses dois lados da moeda, verificamos as opiniões de dois especialistas no assunto:

André Ramos Tavares: Pró-Reitor de Pós-Graduação stricto sensu da PUC-SP (2008-2012) e Diretor da Escola Judiciária Eleitoral Nacional, do TSE (2010-2012) e autor de diversas obras jurídicas;

Fabrício Juliano Mendes: Advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Sergipe – UFSE; Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB (DF); Especialista em Direito Constitucional Processual pela Universidade Federal de Sergipe; Professor de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral no UniCEUB (DF); Professor em cursos de Especialização do Uniceub (DF); Professor do Curso de Especialização em Direito Eleitoral no IDP - Instituto Brasiliense de Direito Público (DF);
Foi Assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. É sócio do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC e membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal. Foi Assessor Jurídico na Câmara dos Deputados, em Brasília – DF. É autor do livro O ativismo judicial e o direito à saúde (Ed. Fórum – 2011) e de inúmeros artigos jurídicos em revistas especializadas

Para o professor André Ramos Tavares, a jurisprudência e a doutrina jurídica consideram que a própria Constituição não permite que nenhuma proposta para sua modificação possa reduzir ou suprimir os direitos fundamentais. Essas proposições não podem sequer serem objeto de análise pelo parlamento. Ele afirma que os direitos fundamentais não se esgotam no artigo 5º da Constituição. O jurista considera que a Constituição, ao assegurar à criança e ao adolescente a absoluta prioridade, garante que a maioridade penal aos 18 anos não possa ser modificada, já que representaria a diminuição dos direitos estabelecidos.
Já para o jurista Fabrício Juliano Mendes, apesar de reconhecer que os direitos individuais estão dispostos em diversos artigos, não se deve interpretar a Constituição de forma absoluta, tendo de reconhecer o real alcance das cláusulas pétreas. Para o professor, não se deve asfixiar o papel dos parlamentares em promover mudanças que atendam as demandas da sociedade, protegendo a essência dos princípios aprovados pelos constituintes. Essa capacidade de atualizar a Constituição, segundo ele, contribui para evitar movimentos de ruptura com a ordem constitucional. "A mudança prevista de 18 para 16 anos ainda tem um grau de razoabilidade que não interfere o núcleo central das garantias fundamentais", diz Fabrício.
Bom, parece que essa é a discussão mais crítica, pois envolve temas relacionados a constitucionalidade das alterações propostas, independente do clamor popular. Importante se garantir a melhor forma de adequar aquilo que se faz necessário para buscar um devido ajuste a sociedade, porém sem ferir os princípios estabelecidos na constituição, que é e regra principal do país, garantindo assim a boa ordem, evitando tornar o estado brasileiro mais desleixado do que já está.

REINSERÇÃO DOS JOVENS NA SOCIEDADE
Os contrários a PEC 171, afirmam que a inclusão de jovens a partir de 16 anos no sistema prisional brasileiro, não contribuiria para a sua reinserção na sociedade, muito em função do sucateamento desse mesmo sistema. Segundo relatório da ONG ANISTIA INTERNACIONAL, referindo-se a nosso sistema prisional, “locais onde há superlotação, condições degradantes, e onde casos de tortura e violência continuam sendo endêmicos”, não têm a menor condição de garantir a ninguém um processo de recuperação de cidadania. E citam como exemplo as trágicas ocorrências no complexo prisional de Pedrinhas, no Maranhão.
Por outro lado, a impunidade gera mais violência. Os jovens "de hoje" têm consciência de que não podem ser presos e punidos como adultos. Por isso continuam a cometer crimes. Entendemos que realmente deva ocorrer um ajuste imediato e severo nas condições de nosso sistema prisional, caso o objetivo seja realmente a recuperação e retorno ao convívio social. Mas enquanto isso não ocorre, medidas imediatas necessitam ser tomadas para minimizarmos a situação atual. Quantas vezes já não ouvimos as declarações de adolescente detidos “sou de menor”? Esse argumento representa a certeza de que dificilmente ficarão presos respondendo por seus crimes. E além disso, representa também a certeza de que sabem sim o que estão fazendo e o levíssimo peso que a lei coloca sobre eles.

CASOS ISOLADOS
Ainda contra a PEC 171, seus críticos afirmam que a pressão para a redução da maioridade penal está baseada em casos isolados, e não em dados estatísticos. Segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública, jovens entre 16 e 18 anos são responsáveis por menos de 0,9% dos crimes praticados no país. Se forem considerados os homicídios e tentativas de homicídios, esse número cai para 0,5%. Levantamento feito pelo Ministério da Justiça em 2011 mostra ainda que crimes patrimoniais como furto e roubo (43,7% do total) e envolvimento com o tráfico de drogas (26,6%) constituem a maioria dos delitos praticados pelos menores que se encontram em instituições assistenciais do Estado cumprindo medida socioeducativa. Cerca de um décimo deles se envolveu em crimes contra a vida: 8,4% em homicídios e 1,9% em latrocínios (que ocorrem quando, além de roubar, o criminoso mata alguém).
Já os defensores da PEC 171, garantem que a redução da maioridade penal protegeria os jovens do aliciamento feito pelo crime organizado, que tem recrutado menores de 18 anos para atividades, sobretudo, relacionadas ao tráfico de drogas.
Pessoal, é preciso que se avalie, dentre outras coisas, a experiência internacional nesse campo e a necessidade de dar uma resposta ao crescente envolvimento de menores com o crime.
Vejamos os casos de países como Estados Unidos e Inglaterra, que não fazem distinção de idade para processar e julgar autores de crimes. Outras nações – como a França – fixam a maioridade aos 18 anos, mas permitem que a Justiça, em circunstâncias específicas, abra exceções, condenando à prisão menores de 18 que demonstrem ter plena consciência de seus atos. Foi mais ou menos isso o que propôs o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), em emenda à Constituição que foi rejeitada em oportunidade passada por uma comissão do Senado (veja o artigo completo no link http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/ccj-rejeita-reducao-da-maioridade-penal-para-16-anos/).
Quem prega a redução da maioridade também enfatiza a necessidade de fechar uma brecha legal que hoje é usada por quadrilhas que encontram atualmente, sobretudo nas grandes cidades brasileiras, o melhor dos mundos para operarem. De um lado, têm contra si um Estado reconhecidamente incompetente para lidar com a questão da violência, em todas as esferas (da socioeducacional à judicial, da policial à penitenciária). Do outro, viram na legislação a possibilidade de confiar a menores a prática de crimes pelos quais são inimputáveis.
Diante do exposto, me vejo obrigado a contestar os números da Secretaria Nacional de Segurança Pública. Quantas e quantas reportagens nós já vimos, ao longo de décadas, mostrando os famosos “trombadinhas”, agindo em áreas públicas, grandes praças, de alta concentração de transeuntes, do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre? Coloco essas cidades, pois foram as mais recorrentes nesse tipo de reportagem. Logo, vendo esse tipo de situação, percebemos que a maior presença entre os praticantes dos delitos são menores de idade. Isso não conta para os índices? Não é preciso que se faça alguma coisa a respeito? Pessoal, crime não é só homicídio, latrocínio, tráfico de drogas. Crime também é assalto, furto, roubo, agressão. E isso precisa ser penalizado. Se necessário for aplicar as devidas punições a menores infratores, que se faça. Pergunte a um aposentado que teve sua pequena quantia subtraída por um “trombadinha”, como foi seu mês sem o dinheiro. Será que o estado brasileiro restituiu a quantia furtada? Muito importante fazermos essa análise.

EDUCAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS
Contra a PEC 171, afirma-se que em vez de reduzir a maioridade penal, o governo deveria investir em educação e em políticas públicas para proteger os jovens e diminuir a vulnerabilidade deles ao crime. No Brasil, segundo dados do IBGE, 486 mil crianças entre cinco e 13 anos eram vítimas do trabalho infantil em todo o Brasil em 2013. No quesito educação, o Brasil ainda tem 13 milhões de analfabetos com 15 anos de idade ou mais.
Já a favor da PEC 171, diz-se que o Brasil precisa alinhar a sua legislação à de países desenvolvidos com os Estados Unidos, onde, na maioria dos Estados, adolescentes acima de 12 anos de idade podem ser submetidos a processos judiciais da mesma forma que adultos (conforme vimos acima).
Essa é uma discussão bem polêmica, mas tenho uma opinião interessante a respeito. Por que todos os analfabetos não vão as ruas cometer crimes? Já pensou se esse argumento fosse realmente fundamentado em evidências reais? Vejam o tamanho da parcela da população brasileira que seria criminosa. Amigos, analfabetismo pode até favorecer a entrada no mundo do crime, mas quando for algo já embutido na índole do indivíduo ou por conta de uma estrutura familiar abalada. Não podemos tomar esses índices como referência absoluta para esse tipo de discussão. Tem muitos outros elementos agregados a esse tema, muito mais do que podemos imaginar. Óbvio que o Brasil precisa, e está bem atrasado ainda, focar em uma de suas carências mais críticas, que é a educação. É claro que ajudaria a diminuir os índices de criminalidade, mas não ao ponto de resolvê-los em nível altamente significativo, já que uma boa parcela de crimes que vemos por aí, tem a participação de jovens e adolescente de classe média, inclusive muito bem escolados.

NEGROS, POBRES E PERIFERIA
Em contrário a PEC 171, muitos afirmam que a redução da maioridade penal afetaria, preferencialmente, jovens negros, pobres e moradores de áreas periféricas do Brasil, na medida em que este é o perfil de boa parte da população carcerária brasileira. Estudo da UFSCAR (Universidade Federal de São Carlos) aponta que 72% da população carcerária brasileira é composta por negros.
Já pelo lado da defesa da PEC 171, temos a maioria da população brasileira a favor da redução da maioridade penal (vejam artigo espcífico no link http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/11/mais-de-90-dos-brasileiros-querem-reducao-da-maioridade-penal-diz-pesquisa-cntmda.htm). Em 2013, pesquisa realizada pelo instituto CNT/MDA indicou que 92,7% dos brasileiros são a favor da medida. No mesmo ano, pesquisa do instituto Data Folha indicou que 93% dos paulistanos são a favor da redução.
Pessoal, vejam que situação no mínimo curiosa. Se a maioria da população brasileira é composta por negros, que em tese seriam os mais prejudicados pela PEC 171, como ao mesmo tempo, 93% da população brasileira pode ser a favor então da redução da maioridade penal? Essa maioria de negros não estaria também em uma boa parte a favor da mudança? E mais, se 72% da população carcerária brasileira também é composta por negros, será que dentro dos números dos que estão a favor da PEC 171, não estão boa parte das famílias desses 72%? Mas confesso que realmente essa discussão, depois do tocante a Constituição, é um dos pontos mais críticos desse processo de mudança. Há sim ainda um execrável preconceito racial vigente no Brasil, que deve também ser punido exemplarmente. Mas temos que ficar atentos a um detalhe deveras importante. Nem sempre os negros ficam de fora de cargos importantes, muito menos são desqualificados. Vejam o caso de Joaquim Barbosa. Presidente do STF! E que bela contribuição ele nos deu, principalmente na condução do “mensalão”. Mas a verdade é que ainda sim, é uma rara condição. Mas também não podemos ficar por aí afirmando que todo negro, pobre e morador de periferia, vai enveredar pelos caminhos do crime. Tenho muitos amigos negros oriundos, assim como eu, do subúrbio, com poucos recursos, mas que venceram na vida, ficaram melhores posicionado socialmente do que eu e, mesmo aqueles que não tiveram maiores oportunidades, permanecem hoje ainda com sua dignidade sólida e inabalada. E mais, não vamos nos iludir que somente essa parcela da sociedade sofre nas mãos das autoridades. Eu mesmo, quantas vezes não fui parado em blitz no Rio de Janeiro? Foram várias abordagens. Da mesma forma que temos muitos delinquentes presos usando camisas do Flamengo e Corinthians, por serem as duas maiores torcidas do Brasil, obviamente que teremos um grande número de casos envolvendo afrodescendentes, exatamente por conta de serem a maioria significativa de nossa população. Mas ainda assim, o preconceito racial e social no Brasil, merece clara atenção das autoridades e da classe política.

Bom meus amigos, diante de tudo isso que colocamos, podemos concluir que esse é um tema realmente polêmico, por conta do envolvimento de todos esses fatores.
Existem elementos constitucionais que necessitam ser detalhadamente discutidos, de modo a se encontrar a melhor ferramenta para tratarmos o tema de inclusão dessa medida na constituição.
Por outro lado, temos que atacar com muita seriedade e vontade, as políticas públicas para resolver nossos problemas internos que tanto contribuem para travar nossos processos de desenvolvimento. Entendemos que existem ações a médio e longo prazo para que tenhamos uma sociedade mais estruturada, e que as mesmas devem ser iniciadas o mais rápido possível, de modo que consigamos evitar pelo menos uma boa parte dos crimes, e não simplesmente puni-los, pois realmente se essa crescente criminalidade permanecer, não teremos presídios suficientes, ou teremos mais presos do que libertos. Infelizmente vemos hoje o governo em posição contrária a PEC 171, muito mais por sua política populista e por conta de assumir que não tem competência de garantir estrutura prisional adequada, pelo menos nessa condição imediata. Fora o fato de serem também claramente incompetentes para elaborarem uma estratégia de adequação a longo prazo das políticas públicas. Mas acima de qualquer interesse político, é inegável que em paralelo, necessitamos sim de uma medida urgente, uma ação imediata, de contenção mesmo, para pelo menos inibir a afronta que vemos no dia a dia, de criminosos que sabem sim muito bem o que fazem. E para isso, a família tem muito o que ajudar também. A família quando sólida e sábia, e não digo sabedoria de conhecimento, mas sabedoria de dignidade e honestidade, pode contribuir grandemente na minimização de atos criminosos, mesmo quando há a condição de má índole em um de seus membros de pouca idade. A família deve orientar e participar ativamente de sua vida, dando carinho, atenção e correção na medida certa, mostrando liderança e promovendo no jovem, o autoconvencimento de que determinado caminho não possui nenhum valor agregado. A verdade, é que precisamos ser mais espertos que os grandes líderes do crime no Brasil, que usam toda essa nossa inoperância, seja legal ou moral, a seu favor e recrutam cada vez mais nossos hoje menores de idades. E mais uma vez, a verdade prevalece.

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